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sábado, 24 de novembro de 2012

VAMOS VENCER A TIMIDEZ???

A professora Janaína Lino Perez é uma pessoa tímida. Não acredita? É a timidez como você nunca viu. E foi uma longa caminhada.

Maquiagem. Muita cor, brilho. O que a maioria das mulheres adora, traz um certo desconforto pra Janaína. Ela não gosta de chamar a atenção.
“Agora, por exemplo, o que você está sentindo?”, perguntou o repórter Ismar Madeira.
“Bem nervosa, bem nervosa mesmo, com vergonha. O corpo reage. Dá um suador, parece que por dentro está tudo tremendo, bem nervosismo mesmo”, respondeu Janaína.
Hoje, a Janaína se prepara para o dia mais importante da vida dela.
Estamos em Sinop, a quarta maior cidade de Mato Grosso, no Centro-Oeste do Brasil e a quase 500 quilômetros de Cuiabá.
Nesta noite, tem formatura na universidade estadual.
A turma de pedagogia é uma descontração só. Menos a Janaína. Tanta preocupação é porque ela é a oradora da turma.
Quando passar pela porta a Janaína vai ter que encarar uma das situações mais difíceis para um tímido: ficar frente a frente com o publico. E é muita gente, um auditório com quase mil pessoas.
Só de pensar nessa multidão, parece que o coração vai saltar pra fora. Pra registrar o nervosismo, ela "topou" usar um aparelho que marca os batimentos cardíacos. Ele foi colocado no tórax da Janaína e as pulsações aparecem em um relógio.
E, enfim, a entrada. Passar no meio de todo mundo.
“Quando eu entrei, fiquei emocionada. Eu comecei a tremer porque era um momento que eu ia passando sozinha, os colegas na frente. Eu escutei pessoas gritando o meu nome mas não tive coragem de olhar pro lado pra ver quem era”,
E lá no palco, sentadinha, sem chamar a atenção no meio dos formandos, ela até se acalmou. Os batimentos caíram pra 85 por minuto. Mas não por muito tempo.
Quando estava chegando a hora do juramento da Janaína e o batimento: 133 por minuto.
E lá vai a Janaína.
Quanto mais perto do público, maior a tensão. Todos os olhares voltados para ela e, no microfone, só a voz dela. Em destaque.
Foi aí que o coração disparou: até 157 batimentos por minuto. Mas ela conseguiu.
Enfrentando a timidez, a pedagoga recém formada sente-se mais forte ainda pra encarar a busca por um bom emprego.
“Como é a realização desse sonho?”, questionou o repórter.
“Nossa é muito importante pra mim esse dia porque eu lutei muito, estudei muito, eu mereço. Eu sei que eu mereço. Estou muito feliz”, respondeu a pedagoga.
Janaína acaba de dar um passo importante. Como milhões de pessoas em todo o país, que querem crescimento profissional. Será que o mercado de trabalho, cada vez mais competitivo, tem espaço para os tímidos? Eles sofrem alguma desvantagem?
“A timidez prejudica o desempenho social, acadêmico, amoroso, econômico. Tem estudo”, afirmou Aílton Amélio, psicólogo PUC.
O psicólogo e pesquisador da Universidade de São Paulo diz que, nos Estados Unidos, um grupo de tímidos foi acompanhado durante 30 anos, o que ajudou a apontar alguns dos desafios deles.
“Aquelas pessoas que eram muito tímidas ganhavam menos, demoraram mais pra se casar”, contou Aílton Amélio.
Timidez é o que os especialistas chamam de traço de personalidade. Uma característica que cada um tem, individualmente. Algumas são mais quietas, caladas, mas não são necessariamente tímidas, podem ser introvertidas, gostam de ficar sozinhas, até preferem ficar sozinhas, mas não têm a menor dificuldade em se relacionar com outras pessoas, pra falar em publico, por exemplo. Timidez é outra coisa.
“A timidez é um tipo de medo que aparece em situações sociais, o disparador é gente, medo de gente. Então, algumas pessoas, em várias situações que envolvem gente, ficam tímidas”, ressaltou Aílton.
As entrevistas de emprego são algumas dessas situações mais comuns.
“A pessoa não toma conhecimento do seu potencial. Chega lá, ela se porta como se ela fosse muito menos capaz. O tímido é assim: ‘e se eu for lá e for inconveniente?’, ‘e se eu for lá e ela me rejeitar?’, ‘e se eu for lá e acabar o assunto?’ Aí, ele não vai, ele começa a fugir”, revelou o psicólogo.
Isto acontece todos os dias no maior centro de oferta de empregos do Brasil, em São Paulo. A estimativa é que 20% dos que não conseguem emprego sejam tímidos.
“Eu digo que fico paralisada mesmo, é lidar com outra pessoa ter que conversar, eu fico gaguejando, fico vermelha, e já cheguei a chegar na frente da empresa e ficar andando de um lado pro outro e não entrar. Desistir”, contou Keila Maria da Silva Santos, modelista.
E ela não é a única. Ali ao lado, numa sala de seleção de candidatos, olha quanta gente ela encontrou. E muitas histórias parecidas.
“Quando eu vi a quantidade de pessoas entrando numa salinha eu pensei não vou conseguir, vou voltar”, disse Michele Ponciano, auxiliar de escritório.
Michele não consegue evitar o nervosismo. Wilton também não.
“A grande dificuldade é de falar. Completamente”, explicou Wilton Robson Guedes Queiroz, ajudante de obras.
O ajudante de obras, a auxiliar de escritório e a modelista, todos com 23 anos, acreditam que estão em desvantagem porque não são tão desenvoltos quanto outros candidatos. Ficaram traumatizados em entrevistas de emprego ou testes de seleção.
“Travei. Não consegui falar nada. Não consegui a vaga”, disse Wilton.
A psicóloga que se especializou em recursos humanos diz que um bom exercício pra vencer esta dificuldade é enfrentar situações em que haja público, primeiro nos ambientes em que a pessoa se sinta confortável, mais à vontade.
“Falar na frente, na igreja, é um exemplo. Então, isso já começa iniciando pra ele vencer a timidez, de pessoas que ele convive, ele falar, ele entrar em contato porque quando ele for num local que ele não conheça ninguém, ele se saia melhor”, afirmou Edméia Vaz Guimarães, psicóloga.
“Eu posso tentar”, disse Wilton.
Michele tinha uma entrevista de emprego no mesmo dia. Também ouviu um conselho.
“Existem pessoas na mesma situação que ela. E ela pensar nisso, que as outras pessoas também têm dificuldades, entendeu? E ir preparada para a vaga que ela vai pleitear. E saber do que ela vai dizer lá. Então, isso fica mais fácil para o tímido: se preparar para o processo”, ressaltou Edméia.
“Hoje, não posso deixar de ir a esta entrevista”, afirmou Michele.
Na disputa por uma vaga de trabalho, para um tímido, a principal questão não é se ha 3, 6, 60 ou 100 candidatos. Não. A maior concorrência é com ele mesmo. E é justamente na faixa etária em que a maioria está tentando entrar no mercado de trabalho que a timidez é mais comum na vida da gente.
É por isso que tantos dizem terem sido tímidos na juventude. Uma fase de muitas experiências novas, que podem causar insegurança. Aqui, a maioria nunca passou por uma seleção profissional. E logo na primeira, já teve que encarar uma dinâmica de grupo.

Os jovens tiveram que se reunir com pessoas que não conheciam e trabalhar juntos pra criar uma apresentação sobre as qualidades de cada um.
Alguns falaram menos, ficaram observando, como a Renata. E na apresentação, ela só segurou um cartaz. Não falou nada.
“Na hora não saiu”, explicou Renata Santos Nunes, operadora de telemarketing.
“Você acha que isso pode te atrapalhar a conseguir emprego?”, perguntou Ismar.
“Muito, muito, demais”, respondeu.
Mas ela conseguiu. Foi contratada para uma função sem contato direto com o público. É um engano achar que os tímidos não têm chance.
“Ele pode ter atendimento numa linha de produção, que são linhas mais internas não tão focadas ao atendimento ao publico. A gente percebeu que pessoas estão ali com medo. Então a gente pode ter ali ou na área de informática que elas vão ficar mais sentadas ou num escritório. Basta ter qualificação”, afirmou Sheile Botelho, coordenadora de recrutamento.
Foi assim que Bruna e José Arnoldo encontraram seus lugares. Ele, na linha de produção de uma fábrica de alimentos. Ela, num escritório de logística, um tipo de negócio que cuida da distribuição e transporte de produtos e documentos.
“Quando você foi escolher a profissão, no que você pensou?”, perguntou Ismar.
“Nos dois cursos que eu fiz até hoje, foi o contato menor possível com as pessoas”, contou Bruna Fernanda Meirelles, assistente administrativa.
Bruna estudou informática e logística. Na pequena sala, preferiu a mesa que não fica de frente pra porta por onde passa gente demais. Em dez meses, já foi promovida.
“O funcionário tímido ele tem um espaço muito bom porque tem atividades que precisam de muita concentração de foco e isso é uma qualidade um ponto forte de quem é tímido”, afirmou Jaquison Sinhorelli, diretor administrativo.
Na linha de produção, a mesma coisa: José Arnoldo também gosta de fazer a maior parte do trabalho sozinho.
“Eu sempre fico focado no que eu to fazendo pra não desviar a atenção porque qualquer vacilo que eu der, eu corro o risco de perder uma receita ou queimar”, revelou José Arnoldo do Nascimento, cozinheiro.

Usar touca, avental, é importantíssimo numa cozinha como essa. Um fio de cabelo, o contato com a roupa, podem contaminar o ambiente. Imaginem, então, conversar, por exemplo, perto da comida, não é nada bom. Nisso os tímidos levam vantagem.
Eles ocupam 80% do setor da fábrica. Em 18 anos na empresa, o José Arnoldo já passou por várias funções e hoje é líder de equipe. Valorizado pelo que os tímidos têm de melhor pra este trabalho.

“Não falam muito, então eles têm esse, que é uma baita qualidade, assim, acho que qualquer líder tinha que ter isto também, de escutar muito e filtrar e focar realmente pra render o trabalho”, disse Tânia Terumi Nakajima, gestora industrial.
Um reconhecimento que Janaína também espera receber. Você se lembra dela? A jovem pedagoga que comemora a formatura sem nenhuma inibição. E como profissional, quer levar a experiência de vida pra sala de aula.
“Como eu fui tímida na infância, eu posso ajudar aquelas crianças que são tímidas na sala de aula estimulando, incentivando, desenvolvendo práticas pedagógicas, através do lúdico, através de brincadeiras, através de participações, teatro. Depois de hoje outra Janaína. Uma Janaína mais segura, uma Janaína mais feliz, porque agora eu sou formada. Eu batalhei muito, chorei muito, estudei muito e eu consegui”, comemorou Janaína.
Texto jornal variedades:

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